Importante para o conhecimento e entendimento do trovadorismo, esse texto produzido por Francisco da Silveira Bueno, do site http://sibila.com.br/mapa-da-lingua/a-formacao-historica-da-lingua-portuguesa/11374 diz basicamente tudo, de um modo bem explicado:
"[...]
Em toda a época trovadoresca, desde o século XII até o começo do
século XV, a língua galego-portuguêsa foi o grande veículo da poesia
lírica de toda a Península. A razão deste fato está na indiscutível
ascendência da Galícia que, desde o século XI em diante, graças ao
poderoso centro irradiador de Santiago de Compostela, se sobrepôs a
todos os demais Estados Hispânicos, embora não tivesse independência nem
corte, fazendo parte da monarquia asturo-lionesa e mais tarde de
Castela e Leão. Desde que, falsa ou verdadeiramente, se descobriu em
Padron o túmulo do apóstolo Santiago, fato que veio galvanizar os povos
da Espanha contra a dominação dos mouros, o grande santuário tomou
tamanho impulso que chegou a rivalizar com Roma e Jerusalém. Todos os
grandes feitos de armas foram desde esse momento atribuídos à
intervenção do santo que passou a ser o símbolo do cristianismo na luta
contra o islamismo. Sob a sábia administração de seus arcebispos quase
tão poderosos quanto o Pontíficio e Roma, principalmente o famoso
Gelmirez, Santiago sobrepujou em prestígio a todas as cortes por mais
importantes que pudessem existir na Península. As romarias até hoje
famosas atraíam romeiros de toda a Europa, mas especialmente da França e
da Alemanha. Eram dias, semanas e meses de festas contínuas, festas
mescladas de grande profanidade, ao menos, no começo. Todas as tradições
artísticas da Galícia, tradições pagãs de danças, cantos e músicas
tiveram então grande desenvolvimento, sendo levadas e comunicadas aos
demais Estados pelos romeiros. Se havia cantos em latim a maioria era em
romanço, isto é, no que depois se denominou galego-português ou
simplesmente galego. De todos os falares hispânicos, foi certamente este
o que mais rapidamente se aperfeiçoou e se desenvolveu, ganhando muito
do prestígio de seu santuário e das suas festas conhecidas em toda a
Europa do momento. Não havia ainda o prestígio político castelhano para
levantar e impor o seu dialeto aos demais Estados anexos, nem tinha
Castela, nessa época, importância alguma, pois, se importância houvesse,
seria a dos reinos unidos de Astúrias e Leon do qual fazia parte a
Galícia. A causa, portanto, de se impor o galego-português como
expressão lírica do período trovadoresco foi o prestígio internacional,
religioso e artístico de Compostela.
Nessa época ainda não se haviam positivado os característicos
diferenciadores que hoje tão diferentes fazem o castelhano e o galego.
Não tinha aquele em sua fonética os sons representados por h, j, pronunciando como o português ainda pronuncia com f e j
prepalatais. Desta forma, era muito mais fácil o aprendizado do galego
por castelhanos e navarreses ou por quaisquer outros da Península. Por
encontrar-se em Compostela e centro artístico da Espanha, de mais fácil
contacto com a França, Alemanha e outros povos europeus, muitos
príncipes aí se detinham para apurar a sua formação intelectual, como
foi, por exemplo, o caso do grande Afonso X, o Sábio. Todos os de
tendência artística, que se confundiram então na grande massa dos
jograis e menestréis, procuravam a Galícia como vemos que daqui saíram
todos os grandes trovadores que fizeram as honras das demais cortes do
país. Bernardo de Bonaval, o mais antigo segrel de Espanha, viveu na
corte de S. Fernando, em Sevilha, depois de haver estado em Jaen. Afonso
Eanes do Coton esteve em Castela, em Sevilha, foi contemporâneo do Rei
Sábio que lhe dedicou violenta sátira e morreu assassinado por Pero da
Ponte, outro jogral galego de grande fama e audácia, matador e plagiário
de Coton. Roi Páez de Videla foi o trovador da casa de Haro, na
Biscaia.
Antes de Afonso X, já outro rei, Afonso IX de Leão, avô do
precedente, aprendera a poetar em Compostela. Reinou em 1118 e foi
depois o fundador da Universidade de Salamanca. Ray Soares, de
Taveiroos, o mais antigo trovador que Michaelis encontra na cronologia
trovadoresca de Portugal, poeta oficial da corte de Sancho, era também
galego. Como estes poucos aqui citados, entre os poetas todos do
Cancioneiro da Vaticana, diz o Padre José Mouriño, setenta e cinco são
da Galícia certamente; trinta outros podem ser da Galícia ou de Portugal
porque os territórios eram comuns embora hoje não o sejam mais; e
apenas trinta outros pertencem a outras partes da Espanha que não as
duas supramencionadas.
Este exército de trovadores levou por toda a Península a sua língua
materna e com a beleza de suas composições impuseram tais poetas o
galego-português. Foi certamente a época mais bela da Galícia, o momento
em que, como escreveu Menéndez y Pelayo no tomo III de sua Antologia:
“Cremos que el despertar poético de Galicia hubo de coincidir con aquel
breve período de esplendor que desde los fines del siglo XI hasta la
mitad del siglo XII pareció que iba a dar a la raza habitadora del
Noroeste de la Peninsula el predominio y hegemonía sobre las demás
gentes de ella. Durante los reinados de Alfonso XI, de doña Urraca y del
Emperador Alfonso VII, el espírito gallego, encarnado en la colosal
figura del arzobispo Gelmirez (personificación al mismo tiempo de la
iglesia feudal) se levanta con incontrastable empuje y cumple a su modo
una obra civilizadora, acelerando la aproximación de España al general
movimiento de Europa”.
Por isto pôde dizer o introdutor anônimo do livro Poesía Gallega Medieval,
colección Dorna — Argentina — 1941: “Este verter caudaloso de Galicia
por medio de la lírica de sus trovadores, había fatalmente de conducir a
una grata pero peligrosa popularización de su lengua original. La
divulgación del gallego por otras latitudes, por otros climas, tenía el
peligro de una disvirtuación, de una adaptación, máxime siendo sencillo
como flor campesina. Pasa primeramente a Portugal, corre por León hacia
las Castillas y se convierte en lenguaje de poetas, de reyes, de nobles,
de clérigos” (p. 10). O que está concorde com o ensinamento do genial
Pelayo: “La lírica de los trovadores fallegos, de Galicia pasó a
Portugal con todos los demás primitivos elementos de la nacionalidad
portuguesa, condecorada con el pomposo nombre de lusitana para disimular
sus verdaderos orígenes, que en Galícia y León han de buscarse”.
Estes parágrafos pugnam pelas origens reais e incontestes, galegas,
de toda a poesia trovadoresca da Península, não só cultivada em
Portugal, mas em todo e qualquer ponto da Península. Debalde a ilustre
Carolina Michaelis de Vasconcelos, tornada mais portuguesa do que os
próprios portugueses, luta e se esforça por provar que tal poesia teve
seu nascer em Guimarães, que se desenvolveu nas incipientes cortes dos
primeiros condes portucalenses. Muito antes que existisse Portugal, já
no século XI, como vimos, Galícia, mercê dos esplendores de seu
famosíssimo santuário de Compostela, dominava soberana toda a Espanha em
matéria de arte; canto e música, ambos conjugados para a dança. Não
seria Guimarães e muito menos Santarém que iriam disputar a primazia a
Santiago de Compostela diante de quem empalideceu Roma e Jerusalém.
Portugal, mais do que qualquer outro Estado hispânico, por causa da sua
íntima união com Galícia aprendeu mais depressa e, certamente, com maior
perfeição, a poetar à moda trovadoresca. Teve seus poetas de fama, mas
foram todos discípulos e aprendizes dos grandes de além Minho.
[...]"
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