domingo, 15 de março de 2015

Por que o galego português foi a língua do lirismo do trovadorismo? (De Sibila)

Importante para o conhecimento e entendimento do trovadorismo, esse texto produzido por  Francisco da Silveira  Bueno, do site http://sibila.com.br/mapa-da-lingua/a-formacao-historica-da-lingua-portuguesa/11374 diz basicamente tudo, de um modo bem explicado:

"[...]
      Em toda a época trovadoresca, desde o século XII até o começo do século XV, a língua galego-portuguêsa foi o grande veículo da poesia lírica de toda a Península. A razão deste fato está na indiscutível ascendência da Galícia que, desde o século XI em diante, graças ao poderoso centro irradiador de Santiago de Compostela, se sobrepôs a todos os demais Estados Hispânicos, embora não tivesse independência nem corte, fazendo parte da monarquia asturo-lionesa e mais tarde de Castela e Leão. Desde que, falsa ou verdadeiramente, se descobriu em Padron o túmulo do apóstolo Santiago, fato que veio galvanizar os povos da Espanha contra a dominação dos mouros, o grande santuário tomou tamanho impulso que chegou a rivalizar com Roma e Jerusalém. Todos os grandes feitos de armas foram desde esse momento atribuídos à intervenção do santo que passou a ser o símbolo do cristianismo na luta contra o islamismo. Sob a sábia administração de seus arcebispos quase tão poderosos quanto o Pontíficio e Roma, principalmente o famoso Gelmirez, Santiago sobrepujou em prestígio a todas as cortes por mais importantes que pudessem existir na Península. As romarias até hoje famosas atraíam romeiros de toda a Europa, mas especialmente da França e da Alemanha. Eram dias, semanas e meses de festas contínuas, festas mescladas de grande profanidade, ao menos, no começo. Todas as tradições artísticas da Galícia, tradições pagãs de danças, cantos e músicas tiveram então grande desenvolvimento, sendo levadas e comunicadas aos demais Estados pelos romeiros. Se havia cantos em latim a maioria era em romanço, isto é, no que depois se denominou galego-português ou simplesmente galego. De todos os falares hispânicos, foi certamente este o que mais rapidamente se aperfeiçoou e se desenvolveu, ganhando muito do prestígio de seu santuário e das suas festas conhecidas em toda a Europa do momento. Não havia ainda o prestígio político castelhano para levantar e impor o seu dialeto aos demais Estados anexos, nem tinha Castela, nessa época, importância alguma, pois, se importância houvesse, seria a dos reinos unidos de Astúrias e Leon do qual fazia parte a Galícia. A causa, portanto, de se impor o galego-português como expressão lírica do período trovadoresco foi o prestígio internacional, religioso e artístico de Compostela.
      Nessa época ainda não se haviam positivado os característicos diferenciadores que hoje tão diferentes fazem o castelhano e o galego. Não tinha aquele em sua fonética os sons representados por h, j, pronunciando como o português ainda pronuncia com f e j prepalatais. Desta forma, era muito mais fácil o aprendizado do galego por castelhanos e navarreses ou por quaisquer outros da Península. Por encontrar-se em Compostela e centro artístico da Espanha, de mais fácil contacto com a França, Alemanha e outros povos europeus, muitos príncipes aí se detinham para apurar a sua formação intelectual, como foi, por exemplo, o caso do grande Afonso X, o Sábio. Todos os de tendência artística, que se confundiram então na grande massa dos jograis e menestréis, procuravam a Galícia como vemos que daqui saíram todos os grandes trovadores que fizeram as honras das demais cortes do país. Bernardo de Bonaval, o mais antigo segrel de Espanha, viveu na corte de S. Fernando, em Sevilha, depois de haver estado em Jaen. Afonso Eanes do Coton esteve em Castela, em Sevilha, foi contemporâneo do Rei Sábio que lhe dedicou violenta sátira e morreu assassinado por Pero da Ponte, outro jogral galego de grande fama e audácia, matador e plagiário de Coton. Roi Páez de Videla foi o trovador da casa de Haro, na Biscaia.
Antes de Afonso X, já outro rei, Afonso IX de Leão, avô do precedente, aprendera a poetar em Compostela. Reinou em 1118 e foi depois o fundador da Universidade de Salamanca. Ray Soares, de Taveiroos, o mais antigo trovador que Michaelis encontra na cronologia trovadoresca de Portugal, poeta oficial da corte de Sancho, era também galego. Como estes poucos aqui citados, entre os poetas todos do Cancioneiro da Vaticana, diz o Padre José Mouriño, setenta e cinco são da Galícia certamente; trinta outros podem ser da Galícia ou de Portugal porque os territórios eram comuns embora hoje não o sejam mais; e apenas trinta outros pertencem a outras partes da Espanha que não as duas supramencionadas.
      Este exército de trovadores levou por toda a Península a sua língua materna e com a beleza de suas composições impuseram tais poetas o galego-português. Foi certamente a época mais bela da Galícia, o momento em que, como escreveu Menéndez y Pelayo no tomo III de sua Antologia: “Cremos que el despertar poético de Galicia hubo de coincidir con aquel breve período de esplendor que desde los fines del siglo XI hasta la mitad del siglo XII pareció que iba a dar a la raza habitadora del Noroeste de la Peninsula el predominio y hegemonía sobre las demás gentes de ella. Durante los reinados de Alfonso XI, de doña Urraca y del Emperador Alfonso VII, el espírito gallego, encarnado en la colosal figura del arzobispo Gelmirez (personificación al mismo tiempo de la iglesia feudal) se levanta con incontrastable empuje y cumple a su modo una obra civilizadora, acelerando la aproximación de España al general movimiento de Europa”.
Por isto pôde dizer o introdutor anônimo do livro Poesía Gallega Medieval, colección Dorna — Argentina — 1941: “Este verter caudaloso de Galicia por medio de la lírica de sus trovadores, había fatalmente de conducir a una grata pero peligrosa popularización de su lengua original. La divulgación del gallego por otras latitudes, por otros climas, tenía el peligro de una disvirtuación, de una adaptación, máxime siendo sencillo como flor campesina. Pasa primeramente a Portugal, corre por León hacia las Castillas y se convierte en lenguaje de poetas, de reyes, de nobles, de clérigos” (p. 10). O que está concorde com o ensinamento do genial Pelayo: “La lírica de los trovadores fallegos, de Galicia pasó a Portugal con todos los demás primitivos elementos de la nacionalidad portuguesa, condecorada con el pomposo nombre de lusitana para disimular sus verdaderos orígenes, que en Galícia y León han de buscarse”.
      Estes parágrafos pugnam pelas origens reais e incontestes, galegas, de toda a poesia trovadoresca da Península, não só cultivada em Portugal, mas em todo e qualquer ponto da Península. Debalde a ilustre Carolina Michaelis de Vasconcelos, tornada mais portuguesa do que os próprios portugueses, luta e se esforça por provar que tal poesia teve seu nascer em Guimarães, que se desenvolveu nas incipientes cortes dos primeiros condes portucalenses. Muito antes que existisse Portugal, já no século XI, como vimos, Galícia, mercê dos esplendores de seu famosíssimo santuário de Compostela, dominava soberana toda a Espanha em matéria de arte; canto e música, ambos conjugados para a dança. Não seria Guimarães e muito menos Santarém que iriam disputar a primazia a Santiago de Compostela diante de quem empalideceu Roma e Jerusalém. Portugal, mais do que qualquer outro Estado hispânico, por causa da sua íntima união com Galícia aprendeu mais depressa e, certamente, com maior perfeição, a poetar à moda trovadoresca. Teve seus poetas de fama, mas foram todos discípulos e aprendizes dos grandes de além Minho.

[...]"

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